31 de março de 2008

Um início animador

Neste sábado realizou-se em Bragança Paulista o Night Riders. A prova, que desde sua primeira edição marca o início do ano endurista, sempre foi muito agradável e divertida: já houve premiação na Tal da Pizza, leilão de números para o campeonato paulista, gincanas, etc. Este ano a novidade era a junção dos dois regulamentos de regularidade (batimento e placas), que tanta discussão geraram. Quanto a isso, parece que o esquema de fato funcionou: aqueles que quiseram fazer um, fizeram, quem quis fazer os dois, fez, e ninguém foi atrapalhado pelo outro (pelo contrário: os que treinam cavalos eram passados e passavam os que faziam o outro regulamento e com isso iam acostumando o cavalo a esse tipo de coisa).

O destaque da prova foi o número de inscrições: ao redor de 150 conjuntos no total. Estavam presentes muitos dos enduristas experientes, aqueles que sempre estão nas provas de regularidade e muita gente nova. Foi animador ver nas trilhas cavaleiros conversando de onde eram, como começaram a montar, da onde conheceram o esporte e todas aquelas coisas que se conversa no meio da prova quando se encontra alguém que nunca se viu antes.
No final, a prova atendeu a todos os públicos: quem queria fazer o esporte pela primeira vez encontrou todas as condições necessárias, quem gosta de regularidade pôde competir com seu cavalo - de qualquer raça, como o Apalosa que ganhou uma categoria - e quem queria treinar também não encontrou problemas, inclusive a noite, o que pode ser uma experiência muito útil no futuro.


Pontos a serem melhorados:

O principal ponto a ser melhorado com certeza é a premiação. Mesmo com toda a demora da apresentação de cavalos do leilão de Abril e brincadeira do ovo na colher, os resultados demoraram a ficarem prontos. Assim, a premiação estava vazia (tendo em vista o número de cavaleiros inscritos) e sem os iniciantes: ou seja, aqueles que deviam sair com um troféu para voltarem na próxima oportunidade não estavam lá.

Outro aspecto que precisa ser revisto é a quantidade de placas. Por serem poucas, os enduristas foram "obrigados" a fazer trechos demasiadamente grandes na mesma velocidade (havia um de mais de meia hora a 9kms/h), tornando a prova numa competição de paciência em alguns pontos, pelo menos para aqueles que fazem a prova para treinar.


Mensagem final:

O Night Riders foi um ótimo treino para cavaleiros, cavalos, veterinários e apoios, deixando uma ótima perspectiva para 2008, devido ao alto número de inscritos.

17 de março de 2008

Estratégias de prova

16; 18,5; 18,5; e 24 kilometros por hora. Tipicamente, essa é uma prova francesa de 120kms. Colocada num gráfico fica empolgante: começa-se devagar, poupando e respeitando o organismo do animal, aumenta-se a velocidade e no último anel corre-se tudo que se pode. Ao ver o gráfico, que termina para frente e para cima, parece que um cavalo foi feito para fazer isso. E quem o vê cruzando a linha, relinchando e com as duas orelhas para frente tem certeza disso.

Sempre me perguntei por que no Brasil não observávamos a mesma estratégia – ou não em todas as provas, como na França. Inicialmente pensei no clima (que é constante lá e muda durante o dia aqui), em uma possível “falta de cultura tática” de nossa parte, em uma maior valorização de vitórias por lá, numa diferença no temperamento dos cavalos, em uma diferença no número de competidores e outros fatores difíceis de checar.

Aí fomos para Campo de Mayo. Tínhamos bons cavalos, o clima era fresco e a topografia parecida com algumas provas francesas. Nossos conjuntos implementaram a “estratégia francesa”, nossos cavalos estavam bem, não tivemos nenhum imprevisto grave e, mesmo assim, perdemos para um cavalo que correu o tempo todo na frente. O anel mais rápido do campeão mundial não foi o último, e sim o 3º (o anel do meio, já que havia 5). O último anel do vice-campeão foi apenas o 4º mais rápido de sua estratégia. Naquele dia, mesmo ponderando o peso da viagem dos nossos cavalos, eu tive que admitir que existe uma “estratégia uruguaia” que também funciona.

Diferenças para explicar cada uma destas estratégias existem. A mais comum é a condição natural de cada lugar (solo, clima, topografia, etc). Mas isso não explica tudo: Saintes Maries de La Mer, por exemplo, é uma prova francesa muito mais parecida com uma prova uruguaia do que com outras provas francesas, no entanto é corrida à francesa. Eu especularia um fator cultural: me parece que os franceses fazem uma prova crescente porque todos os franceses montam assim e os uruguaios estão sempre na ponta porque todos os uruguaios correm sempre na ponta. Não deixa de ser curioso que nenhum uruguaio ganhe com uma estratégia francesa e nenhum francês ganhe com uma estratégia uruguaia, mas até hoje é isso que vem ocorrendo.

O que aconteceria num campeonato mundial em condições neutras eu realmente não sei, mas adoraria ver.

Outras considerações (reflexões que gostaria de fazer mas não se encaixaram no texto)

  • Existe também uma “estratégia árabe”, que consiste basicamente em correr o tempo todo na ponta, a aproximadamente 25kms/h e ver se o cavalo agüenta.
  • Alguém poderia dizer que esta última não funciona, porque de 100 cavalos que largam apenas 30 completam. No Uruguai, no entanto, também há muitas eliminações e na França, de 10 cavalos que largam para o último anel “eletrizante” apenas 2 ou 3 o conseguem fazer, os demais se cansam, têm que se contentar em completar e não aparecem como “grandes estrategistas”.
  • No 120kms, acredito que Brasil e Uruguai estejam no mesmo nível da Europa.

3 de março de 2008

O que é a President’s Cup

Como endurista, sempre quis conhecer a President’s Cup. Muitos dizem que, hoje, é a prova mais importante do mundo. Para mim, dizer simplesmente que é a President’s Cup significa muito mais do que ser “a mais isso” ou “a mais aquilo”, assim como Compiègne é Compiègne, o Campeonato Brasileiro é o Campeonato Brasileiro e o Mundial é o Mundial.

No pré-vet, sexta à tarde, já se sente o peso que a prova tem em todo o mundo. Encontra-se muita gente muito importante no enduro, como Becky Hart (campeã mundal em 1988, 1990 e 1992), Virginie Atger (vice campeã mundial em 2006), Juma Puntí (4º colocado em Aachen e 2º no Europeu), Cécile Miletto (vice campeã mundial em 2000), Pio Olascoaga (campeão de Compiègne 2007), além de todos os cavaleiros árabes e treinadores dos Sheikhs e os veterinários e juízes que sempre estão nos mundiais.

No total são 87 inscrições (na única categoria da prova), muitas decididas em cima da hora, já que o filho de um amigo de um Sheikh pode decidir no último momento montar ou não. São relativamente poucas inscrições, se o número for comparado ao das outras provas da temporada (de 120kms). Os cavalos são conhecidos pelos outros treinadores, seja por seu valor, por resultados passados ou pela expectativa de que o cavalo possa fazer algo positivo. Um dos animais mais comentados era RO Acuarela – irmã de RO Fabiola – égua considerada muito boa mas extremamente difícil de ser montada. Só se soube que ela seria montada e quem a montaria depois do pré-vet.

Os animais então são numerados (os Sheikhs e demais VIPs – como o rei malaio – recebem números especiais) e os cavalos cujas cocheiras se localizam perto do local da prova dormem em suas casas (ao contrário do que acontece nas rígidas provas FEI do Brasil), enquanto os outros têm cocheiras próximas ao parque.

Às 6:07 da manhã é dada a largada na impressionante estrutura de Abu Dhabi. Durante os 34kms do primeiro anel vão se formando grupos de cavalos. O primeiro grupo termina a primeira etapa em 1:20 e os cavalos entram no vet entre 1 e 2 minutos. São 25,2kms/h. Assim que chegam à linha de trote, o veterinário encosta um sensor de Polar nos cavalos, mostra-se, então, numa grande tela qual é o batimento do cavalo. Caso, em 1 minuto, este não fique 15 segundos seguidos abaixo de 64 pulsações, o cavalo tem que sair, recuperar-se e entrar de novo. Logo na saída do vet já está disponível o resultado até aquele momento, em folhas impressas e com as quais todos os cavaleiros ficam analisando sua posição em relação aos demais. Estas duas tecnologias – a tela do Polar e os resultados “ao vivo” – são as coisas mais interessantes que já vi no enduro, tanto para tornar as provas mais competitivas como para dar seriedade a elas. Em terceiro lugar vem o colar francês.

Depois de 30mins larga-se para o segundo anel. Como já faz calor (cerca de 30⁰C e baixa humidade), agora a assistência oferece água para que os cavaleiros molhem os cavalos o tempo todo. São 2 carros por conjunto, alternando-se na assistência, de modo que o cavalo nunca fique seco. Há apenas alguns kilometros – dentro de um parque – no qual não é permitido dar garrafas de água. Fora isso, a única coisa proibida é molhar os cavalos ou dar garrafas de dentro do carro. A ponta completa esta etapa de 32kms em 24,4kms/h. Ao final desta já são 19 eliminados, sendo um deles Acuarela, que derrubou Sheikh Rashid no 1º anel e o completou desmontada.

A terceira etapa – de 30kms – é corrida um pouco mais devagar: 23,8kms/h. O primeiro a entrar no vet é Jibbah Enog, cavalo que ganhou algumas provas na última temporada, em 1 minuto e 22 segundos depois de chegar. Muitas são as teorias para explicar porque os cavalos entram tão rápido. Alguns acreditam que é pela água disponível que evita que os cavalos se aqueçam demais, outros acham que o ritmo constante em que o coração trabalha ajuda a diminuir o tempo de recuperação. O que eu notei é que o modo como o vet-check é montado (uma linha reta entre a chegada e a entrada do vet, na qual os cavalos são molhados) ajuda também. O fato é que, até aqui, muitos nem checam o coração dos cavalos antes de entrar.

O 4º anel, de 24kms, é o mais esperado. Nele é que fica o famoso Tora-Bora, ou “sobe-desce” em árabe. Não é nada muito assustador para quem monta no Brasil, mas para cavalos que montam o tempo todo no plano e já fizeram 96kms a 24kms/h é bastante duro. Trata-se de aproximadamente 5kms de curtas e relativamente íngrimes subidas e descidas seguidas . A assistência corre como em nenhum outro lugar na prova e há dezenas de carros e pessoas se cruzando com garrafas de água para todo lado. No final do anel, Jibbah Enog continua em primeiro ao completar o anel a 21kms/h e entrar em 1 minuto e 51 segundos. Em segundo lugar entra Sheikh Hamdan, filho do Sheikh Mohammed, 7 segundos atrás.

O penúltimo anel também tem 24kms. Com a aproximação do fim da prova é muito importante estar na ponta. Esta, agora, se restringe a 4 cavalos. No vet, depois de fazer o anel em 1 hora, os cavalos demoram 5 minutos para entrar no vet – tempo relativamente longo se pensarmos nos outros anéis. Jibbah Enog demora 10 minutos e deixa a ponta para Ali Khalfan, cavaleiro conhecido e vitorioso nos Emirados, Mohammed e Sheikh Hamdan, estes dois últimos montando cavalos de Sheikh Mohammed.

O último anel é mais curto, são 16kms. Ali Khalfan e Mohammed disputam a liderança por todo o anel, enquanto Sheikh Hamdan fica um pouco para trás. Alguns kilometros antes da chegada, o cavalo de Ali Khalfan se lesiona e começa a mancar, o que o faz parar e ir puxando o animal até o vet. Mohammed espera pelo Sheikh na longa linha de chegada, deixa-o passar e cruza a linha logo em seguida. Assim, Shiekh Hamdan e Kaysand Farrazah – PSA de 1996 – vencem os 160kms a 23,27kms/h.

Assim que o 3º colocado passa no vet-check final é feita a premiação. Uma cerimônia de 5 minutos na qual cada um recebe seu troféu e algum prêmio (como, por exemplo, um carro). Mais tarde é realizado o Best-Condition, de modo semelhante como é feito no Brasil. No final são 22 classificados, sendo um deles o rei da Malásia, que agora conta com a qualificação FEI para correr o mundial em seu país.

E assim é a President’s Cup: uma grande competição, em ritmo alucinante, onde 10 segundos fazem grande diferença e da qual os Sheikhs são as principais estrelas.