17 de março de 2008

Estratégias de prova

16; 18,5; 18,5; e 24 kilometros por hora. Tipicamente, essa é uma prova francesa de 120kms. Colocada num gráfico fica empolgante: começa-se devagar, poupando e respeitando o organismo do animal, aumenta-se a velocidade e no último anel corre-se tudo que se pode. Ao ver o gráfico, que termina para frente e para cima, parece que um cavalo foi feito para fazer isso. E quem o vê cruzando a linha, relinchando e com as duas orelhas para frente tem certeza disso.

Sempre me perguntei por que no Brasil não observávamos a mesma estratégia – ou não em todas as provas, como na França. Inicialmente pensei no clima (que é constante lá e muda durante o dia aqui), em uma possível “falta de cultura tática” de nossa parte, em uma maior valorização de vitórias por lá, numa diferença no temperamento dos cavalos, em uma diferença no número de competidores e outros fatores difíceis de checar.

Aí fomos para Campo de Mayo. Tínhamos bons cavalos, o clima era fresco e a topografia parecida com algumas provas francesas. Nossos conjuntos implementaram a “estratégia francesa”, nossos cavalos estavam bem, não tivemos nenhum imprevisto grave e, mesmo assim, perdemos para um cavalo que correu o tempo todo na frente. O anel mais rápido do campeão mundial não foi o último, e sim o 3º (o anel do meio, já que havia 5). O último anel do vice-campeão foi apenas o 4º mais rápido de sua estratégia. Naquele dia, mesmo ponderando o peso da viagem dos nossos cavalos, eu tive que admitir que existe uma “estratégia uruguaia” que também funciona.

Diferenças para explicar cada uma destas estratégias existem. A mais comum é a condição natural de cada lugar (solo, clima, topografia, etc). Mas isso não explica tudo: Saintes Maries de La Mer, por exemplo, é uma prova francesa muito mais parecida com uma prova uruguaia do que com outras provas francesas, no entanto é corrida à francesa. Eu especularia um fator cultural: me parece que os franceses fazem uma prova crescente porque todos os franceses montam assim e os uruguaios estão sempre na ponta porque todos os uruguaios correm sempre na ponta. Não deixa de ser curioso que nenhum uruguaio ganhe com uma estratégia francesa e nenhum francês ganhe com uma estratégia uruguaia, mas até hoje é isso que vem ocorrendo.

O que aconteceria num campeonato mundial em condições neutras eu realmente não sei, mas adoraria ver.

Outras considerações (reflexões que gostaria de fazer mas não se encaixaram no texto)

  • Existe também uma “estratégia árabe”, que consiste basicamente em correr o tempo todo na ponta, a aproximadamente 25kms/h e ver se o cavalo agüenta.
  • Alguém poderia dizer que esta última não funciona, porque de 100 cavalos que largam apenas 30 completam. No Uruguai, no entanto, também há muitas eliminações e na França, de 10 cavalos que largam para o último anel “eletrizante” apenas 2 ou 3 o conseguem fazer, os demais se cansam, têm que se contentar em completar e não aparecem como “grandes estrategistas”.
  • No 120kms, acredito que Brasil e Uruguai estejam no mesmo nível da Europa.

2 comentários:

Anônimo disse...

André e Mario

Algum tempo não escrevo sobre enduro.
Ao ler o texto sobre estratégias me senti instigado a dar um pitaco.
Não tem a pretensão de um artigo que o tema exige; é apenas um pitaco.
Em primeiro lugar considero que independente da “nacionalidade” da estratégia creio existir duas estratégias limites com variações e combinações no decorrer da prova.
Uma em que o endurista busca a ponta imediatamente e imprime um ritmo forte procurando se distanciar dos adversários e criando uma situação irreversível. A vantagem desta é que estabelece uma pressão psicológica sobre os restantes dos competidores.
O risco desta estratégia é queimar energia antes do tempo e transformar a entrada nos vets como parâmetros para avaliação do restante dos competidores possibilitando aos outros pesar o ritmo. Exige do endurista conhecimento robusto do seu cavalo para não ultrapassar o limite metabólico e uma equipe de apoio extremamente profissional e aparelhada para trabalhar no fio da navalha.
É uma estratégia arriscada em que a técnica e a estratégia muitas vezes é confundia com a falta de técnica e estratégia.
A outra é mais conservadora e considera o aumento de ritmo em linha crescente. Esta estratégia implica que o endurista estar seguro e convicto da sua estratégia ao se distanciar da ponta. Não se deixar envolver pela pressão de disputar a ponta. Saber dosar a energia do animal sem perder o contato com a ponta.
O risco desta estratégia é perder o contato com os lideres e não ter como recuperar o terreno nos anéis finais. Respeita mais o cavalo mas corre o risco de não ganhar.
Acredito que a opção de uma ou por outra está condicionada a fatores como o perfil do cavalo, a personalidade do cavaleiro, composição da equipe, pressão por resultados entre outras condicionantes.
A escolha da estratégia depende de vários fatores, alem do que a geografia da trilha, com variação de altitudes ou não, clima frio ou quente, úmido ou seco poder determinar a vantagem de uma sobre a outra.
Me parece que a equação a ser construída para montar uma boa estratégia é em primeiro lugar, estabelecer o que se quer da prova, terminar e vencer ou terminar é vencer.
Abraços
Juliovb

Avz disse...

Julio, primeiro obrigado pelo seu comentário.

Concordo que a estratégia não depende da nacionalidade, apenas coloquei dessa forma no texto porque são casos típicos e porque fica mais fácil das pessoas diferenciarem.

Gostei da caracterização que você fez das duas estratégias, só não concordo que a da prova progressiva tenha menos chance de ganhar que a agressiva (talvez a expressão não seja "não concordo" e sim "não tenho certeza").

Abraço,
André