14 de outubro de 2010

Guantánamo

As condições na quarentena de Miami eram tão ruins que o local logo ganhou o apelido de Guantánamo


Toda a beleza do esporte repousa no fato de que não importa classe social, cor de pele, religião, nacionalidade, preferência política ou qualquer outro fator, todos competem em condições iguais, ou no mais próximo possível disso. Infelizmente, este princípio de ouro não foi observado no World Equestrian Games, evento idealizado, planejado e organizado durante 4 anos para ser o ápice esportivo do mundo eqüestre do período, ou, “as Olimpíadas a Cavalo”.
Assim que saíram do avião, os cavalos da América do Sul e da América Central foram obrigados a passar por uma quarentena de 7 dias na qual ficaram trancados dentro de uma baia sem iluminação e pouco ventilada, às quais os grooms tinham acesso por uma hora por dia. Após esta, seguiu-se uma viagem de 20 horas de Miami a Lexington (aproximadamente 1.600 kilometros) num caminhão lacrado. Para cavalos que estão preparados para correr 160kms e que estão acostumados a viver soltos e a caminhar pelo menos 2 horas por dia, este processo, além de altamente estressante e de potencialmente prejudicial à performance, viola o princípio de Welfare of the Horse, postulado pela FEI.
Compreendo que os EUA tenham suas regras sanitárias, no entanto qualquer país que se declare preparado e interessado em organizar um evento desta importância tem a obrigação de garantir exceções e condições ideais a todos. Já a FEI, ao dar sua chancela, deveria assumir uma postura ativa, exigindo e fiscalizando para que sua principal realização quadri-anual não fosse manchada desta maneira.

O que é que a América tem?
A quarentena pela qual passaram os cavalos sul e centro americanos é absurda, para qualquer cavalo e em qualquer condição, devendo ser combatida caso imposta a um ou a todos os cavalos. No entanto, a falta de vontade norte-americana fica ainda mais evidente quando observamos a quarentena para cavalos vindos da Europa: menos de 2 dias (entre 36 e 42 horas) em cocheiras provisórias, de plástico, totalmente ventiladas, iluminadas e com acesso 24 horas por dia aos grooms, em Cincinatti, há 120 kms do parque.


América do Sul e Central
Europa
Diferença
Tempo
168 horas (7 dias)
40 horas
420%
Condições
Escura e pouco ventilada
Iluminada e ventilada

Acesso aos cavalos
1 hora por dia – pago
24 horas por dia – grátis
2400%
Distância para Lexington
1.600 kms
120 kms
1300%
Cuidados possíveis com os cavalos
Caminhar 1 hora por dia
Caminhar o quanto achasse conveniente, fazer soro, gelo, etc.




Não é muleta
Não acho que este processo atrapalhe a performance necessariamente. Muitos cavalos (incluindo o meu) se recuperaram bem e correram “novos”. No entanto, as condições eram tão precárias que por princípio não se deve submeter um cavalo a elas. Além disso, aumenta-se o risco de problemas, como no nosso caso, que tivemos um cavalo retido por rigor excessivo e inadequado e um caso de miosite.

Ingenuidade
Se quisermos ser respeitados, precisamos nos fazer respeitar. Não há nenhum fator que justifique tamanha disparidade e, portanto, não podemos aceitar tal postura de um comitê organizador daqui para frente. Se os europeus conseguiram algo razoável, precisamos lutar pelo mesmo.

19 de setembro de 2010

Mais duas notas sobre Florac



Prova itinerante
Os 160kms de Florac são corridos em 6 anéis, sendo que cada um deles começa em um lugar e termina em outro. Assim, cada um dos 6 vet-checks se realiza em um local diferente. Todos  apresentam condições muito boas, muito perto das ideais: as linhas de trote eram boas, havia espaço para o apoio nos 6 vet-checks, nunca faltou água, podíamos comprar comida e bebida em todos, etc (apenas os veterinários devem ter se queixado de que não havia cobertura para eles em todos os anéis). Há momentos na prova nos quais 3 vet-checks estão funcionando ao mesmo tempo.

Contra o relógio
Para que isso seja possível, adota-se uma regra pouco comum: todos os vet-checks tem horário de fechamento (momento no qual a média cairia para baixo de 12kms/h). É algo diferente e que não estamos acostumados, que vai contra um pouco ao “terminar é vencer”, mas uma prova no nível de Florac pode se dar ao luxo de estabelecer um nível mínimo para que se termine a prova.

16 de setembro de 2010

Notas sobre Florac

150
150 conjuntos franceses gostariam de fazer a prova de Florac (categoria única, 160kms na morraria), que com os 80 estrangeiros somariam 230 participantes. Como não havia estrutura para tanto, 50 franceses tiveram suas inscrições rejeitadas.
Como eles conseguem 150 cavalos para fazer a prova mais difícil do ano eu não sei, mas é muito impressionante.

Estatística inútil
O ponto mais difícil da prova é o topo do monte Aigoual. Enquanto esperávamos a passagem dos cavalos lá em cima, diversos franceses falavam a mesma coisa: nunca ganhou a prova o cavalo que passou em 1º lugar ali.
Isso não quer dizer muita coisa, afinal numa prova com 180 conjuntos, provavelmente aquele que ganhará (não importa quem seja) só estará a frente dos outros 179 em uma parte muito curta da trilha. Esse ano, o cavalo que passou em 1º era de um italiano (que provavelmente não sabia, ou não acreditava na estatística) e terminou em 4º lugar.

Rir pra não chorar
Este cavaleiro que ficou em 4º lugar chegou junto com outros 3 alguns minutos atrás da campeã da prova, mas decidiu deixá-los disputar e chegar ao passo (Pierre Fleury, aquele que morou no Brasil 6 meses, terminou sendo eliminado, por isso o italiano passou de 5º para 4º). No entanto, ao aproximar-se da linha e ver uma multidão ao redor, o cavalo se recusou a andar pra frente. Nos primeiros metros o cavaleiro desceu, puxou o cavalo e remontou, mas mesmo assim ele não ia. Tendo que cruzar a linha montado, o cavaleiro ficou sem ter o que fazer, até que um juiz foi até lá e puxou o cavalo dois passos, para que o conjunto completasse a prova.
O 5º e 6º colocados reclamaram, dizendo que podiam ter alcançado o italiano e outros membros do júri não gostaram da atitude do juiz que o ajudou. No entanto, acredito que ele agiu corretamente, vendo que o cavalo não estava exausto e sim amedrontado, simplesmente ajudou a acabar com uma situação que ficava cada vez mais ridícula.

Montanhas preservam cavalos?
Pode ser contra-intuitivo, mas me parece que provas montanhosas evitam desastres metabólicos. Não vi nenhum cavalo chegar exausto, como foi comum em Compiégne, prova plana e de galope o tempo todo. Talvez, ao encarar um morro o cavalo só prossiga numa velocidade alta se estiver bem, enquanto no plano o cavaleiro consiga fazê-lo galopar mesmo que este já se encontre cansado. Não sei, é só uma teoria.

Abaixo-Assinado!
No dia anterior à prova, rodava um abaixo-assinado contra a atuação de Ian Williams em Compiègne. De fato, na última prova, este representante da FEI - que já não é visto como simpático pelos cavaleiros - passou dos limites.

See you in Kentucky!
Grande parte da equipe da França estava montando, inclusive Jean Philippe Frances e Virginie Atger. Sarah Chakil, ganhadora da prova, também faz parte do time que representará a França no Kentucky. Outra que estava presente foi a americana Valerie Kanavy, campeã do mundo em 1994 e 1998, que provavelmente montará pelos EUA em Lexington.

30 de agosto de 2010

Crescente ou estável?

Philippe Tomas ganhou a prova com uma estratégia "invertida"
Um dos assuntos mais discutidos neste blog é a estratégia de prova. Depois do campeonato mundial de young riders de Campo de Mayo escrevi um texto especulando possíveis causas de se encontrar uma estratégia dominante em cada país; em outro texto, depois do campeonato mundial da Malásia, apontei para o fato da nova campeã do mundo não ter corrido de forma crescente e me questionei se esta estratégia ainda era a mais adequada para a maioria das trilhas do esporte, cada vez mais planas.

Agora, em dois finais de semana vi mais indícios de que, pelo menos nas provas de 120kms, a famosa “estratégia crescente” pode estar com os dias contados. No primeiro, em Compiègne, pude acompanhar duas provas de 130kms. Na sexta-feira, os dois primeiros conjuntos correram de forma crescente e, apesar de se saírem vitoriosos, deram vexame e criaram uma situação constrangedora para todos: o cavalo 2º colocado chegou tão cansado que era incapaz de trotar, fazendo o último kilometro todo ao passo e demorando 29 minutos para entrar no vet-check final, já o vencedor por muito pouco não caiu de fadiga assim que cruzou a linha. No domingo, os três árabes que fizeram a prova de maneira crescente foram eliminados, sendo dois por metabólico. Philippe Tomas, com uma estratégia “estável”, ganhou a prova e deu show na chegada.


No segundo final de semana, mais duas provas de 120kms. Em Avaré, Toninho e Ana Ilkiu fizeram provas muito parecidas e sagraram-se campeões brasileiros, Adulto e Young Rider. Provavelmente numa competição com mais conjuntos eles teriam sido obrigados a andar mais no último anel, mas talvez, assim como para Philippe Tomas, manter o ritmo bastasse. Outra infeliz curiosidade é a de que Rafaela Barreto também cruzou a linha em 1º lugar com uma estratégia crescente e foi eliminada.


Com certeza 4 provas não são nem de perto suficientes para estabelecer o fim do domínio de uma estratégia, ainda mais se considerarmos que em 3 delas os cavalos que chegaram primeiro correram desta maneira. No entanto, nos faz questionar a certeza anterior de que esta estratégia era sempre a melhor e, principalmente, a mais segura. Pode ser só coincidência, pode ser reflexo de trilhas mais planas ou pode ser a constatação dos cavaleiros de que o único meio de aumentar a velocidade é fazer os primeiros anéis mais rápidos do que se fazia. Enquanto não temos nenhuma certeza, qualquer tentativa é válida, inclusive correr de modo crescente.

3 de maio de 2010

A volta do Troféu Coalheira

Coalheira: sf Peça de arreios que se coloca no pescoço dos animais de tiro e à qual se firmam os tirantes. (Michaelis). Traduzindo: peça que prende o burro à carroça.

Troféu Coalheira: prêmio dado ao autor do ato menos inteligente realizado durante os três dias da prova Multidays – tão ou mais valorizado do que o 1º lugar e Best Condition. Cheio de ironia, maldade e bom humor, simbolizava a única prova que o detinha, sendo a eleição (sim, a prova era democrática) de seu vencedor o ato final da premiação, talvez o momento máximo da competição. Durante os três dias de prova, além de se preocupar com sua posição, diferença acumulada pros adversários e estado do seu cavalo, os competidores tinham que tomar cuidado para não fazer nada digno do troféu e vigiar seus adversários esperando por um deslize destes. Ao término da distância de cada dia, comentava-se os possíveis candidatos ao Coalheira, além de tirar sarro dos que estavam atrás de você e ameaçar os que tinham alguma vantagem para o dia seguinte – tudo isso regado a cerveja.

Ao voltar para a casa percebia-se quanto a distância entre você e seu cavalo havia diminuído depois de três dias inteiros juntos, além de como os momentos dando risada com os amigos tinham sido prazerosos. O Multidays foi o símbolo de uma época em que o mais importante no enduro era o tempo que se passava com os amigos, sem se importar com qualificação FEI, regras para o Mundial, existência ou não da categoria Mirim-Peso-Pesado, ranking perene, etc. A boa notícia é que, mesmo com tudo isso, a prova voltará, depois de 9 anos de sua última edição. Como não se pode ignorar o cenário atual, haverá duas categorias: uma para aqueles que querem correr a prova “à moda antiga” – os três dias com um cavalo – e outra para aqueles que querem treinar ou qualificar seus cavalos – na qual será permitido usar diferentes cavalos nos diferentes dias.

Parabéns à toda organização da prova (Danilo, Vanda, Jorge, etc) e àqueles que a estão patrocinando, com certeza o enduro vai ganhar muito com a volta do Multidays!

15 de março de 2010

Em busca da verdade

Em todos os campos do conhecimento existe uma disputa entre teorias rivais tentando explicar a realidade e desenvolver um modo de enxergá-la. Nos esportes isto também se verifica, mas eliminar as teorias falsas torna-se especialmente difícil porque não há como fazer testes controlados e todo resultado provém de múltiplos fatores – vários deles incontroláveis e não-observáveis. No entanto, seja pelo desempenho daqueles que a adotam, seja pela força “comercial” que tem, uma ou duas teorias terminam dominando o esporte, fazendo com que todas as análises se dêem com base nela(s) e estabelecendo verdades que não são questionadas.

No enduro, porém, este processo encontra-se em fase embrionária. Quase qualquer coisa que se diga pode ser defendida ou atacada, seja com resultados de provas ou de modus operandi de alguém importante. A “prova crescente” francesa tem muitos defensores e é suportada por uma teoria elegante, no entanto não se verifica nos EAU nem no Uruguai; eletrólitos são vistos como fundamentais por alguns, e inúteis por outros; Barbara Lissarague, campeã mundial, trabalha seus cavalos no picadeiro, para que tudo seja mais fácil na trilha – faz sentindo – já Jack Begaud (que apesar de nunca ter sido campeão mundial é tão importante quanto um) defende que treinando na trilha o cavalo já aprende tudo que precisa – também faz sentido. Há cavaleiros que montam em suspensão, outros sentados de modo clássico e um terceiro grupo senta na sela, estriba o mais longo possível e coloca os pés o mais pra frente que pode – todos eles ganham provas importantes. As selas também variam do estilo Western às seletas inglesas – passando por todos os possíveis graus de combinação, selas de plástico, etc. O fator mais discutido parece ser o cavalo e, apesar de haver elementos geralmente aceitos (aprumos corretos, canela curta, quartela pequena, cascos redondos e bem alinhados, etc) não há um “cavalo ideal”: apesar da ampla busca por um cavalo de 1,57m, o atual campeão da President’s Cup e recordista de velocidade nos 160kms é só um dos exemplos de campeões baixos (Nobby, campeão mundial na Malásia, é outro).

Ao começar no esporte, um iniciante provavelmente não saberá o que fazer sem o conforto de um guia básico e seguro. Mesmo um iniciado ficará confuso ao avaliar se está fazendo as coisas de modo correto e ao tentar encontrar pontos onde possa melhorar. No entanto, podemos dizer que toda essa “pluralidade caótica” é positiva, pois significa que temos muita coisa a melhorar e estamos explorando diversos caminhos para chegarmos lá.

19 de janeiro de 2010

Um bom ano


Todo réveillon traz consigo a esperança de que o ano que nasce seja melhor que o ano que acaba. Mesmo que não tenhamos porque acreditar nisso sempre encontramos motivos para justificar nossa crença, o que, numa dose razoável, pode ser benéfico para nós. Analisando o calendário de 2010 encontro estas razões e acredito que o ano que se inicia pode ser muito proveitoso para os enduristas.

Ao todo temos 6 provas de longa distância, sendo a primeira em Março e a última em Dezembro (ambas em Brasília). A meu ver, este é um bom número mas poderia ser um pouco maior ou as provas distribuídas de outra maneira, de modo que aproveitássemos os meses de Junho e Setembro, que não são quentes e não tem nenhuma prova de longa distância marcada. Para isso o Campeonato Brasileiro de Cavalos Jovens poderia ser de 120kms, bem como a prova do Rach, que conta com um nome forte o suficiente para ter um bom número de inscrições.

Apesar destes dois meses sem provas de longa, o ano promete ser agitado: em Maio a décima edição FEI da Haras Endurance, com um carro de prêmio e promessa de grande festa; em Julho a prova de Mogi, que independente do nome (Paradise, Jequitibá ou Copa das Nações) já tem tradição e importância; e em Agosto o Campeonato Brasileiro, desta vez durante o inverno (a única insegurança diz respeito ao local escolhido, até então desconhecido, de modo que não sabemos exatamente o que esperar). Há, ainda, a prova do dia 30 de Outubro no Haras Jacovás – RS, que poderá contar com conjuntos argentinos e uruguaios – fato que traria atenção e importância para o evento.

Internacionalmente não há Panamericano nem Europeu, mas o Mundial. Trata-se de uma prova muito interessante, pois quase todos os cavalos terão que viajar para competir (e dessa vez estaremos lá) e os donos da casa já foram de longe os melhores do mundo no esporte, mas sumiram do cenário internacional.