9 de novembro de 2009

Sob a ótica do marketing


Há alguns textos atrás, dei minha opinião sobre a situação dos novatos no enduro. Para aqueles que trabalham com marketing estes seriam os clientes que consomem seu produto de vez em quando, naquelas situações esporádicas nas quais ele vai à loja ao lado de casa e se depara com a mercadoria lá. O objetivo do marketing para esses clientes é fidelizá-los, fazê-los passar a heavy-users e a desenvolver uma relação com sua marca. Como disse anteriormente, acredito que esta preocupação exista (não tão bem estruturada assim), de modo que a discussão deve se dar em relação à efetividade das estratégias de fidelização que estão sendo adotadas.

É nas etapas anteriores a esta, no entanto, que o enduro precisa desenvolver-se. Faltam ações para que enduristas em potencial (todos aqueles que reúnem as condições necessárias para fazer uma prova de 20kms) tomem conhecimento da existência do esporte, se interessem e decidam experimentar o enduro. Quando se tem um público relativamente grande e facilmente diferenciável (proprietários de cavalos de qualquer raça próximos ao local da prova a se realizar), um produto bom e barato (uma tarde montando a cavalo com a família) e um ambiente no qual é fácil promover um evento (como as cidades do interior), esforços para prospectar novos enduristas podem valer a pena.

19 de outubro de 2009

"No Tennis Shoes!"

“No Tennis Shoes!!!” era tudo que se ouvia do lado de fora do estádio de Lexington – Kentucky durante o pré-vet. Esta era a única preocupação dos stewards que organizavam a fila para a apresentação dos cavalos. Nenhum deles, no entanto, sabia exatamente o que caracterizava um tênis – o que alguns deixavam passar outros barravam (aparentemente a cor era o principal fator de avaliação).

A explicação para tamanho desespero é a última preocupação da FEI: deixar o enduro mais apresentável. É uma pretensão que faz sentido quando se pensa no crescimento, transmissão, acompanhamento pelo público e sonho olímpico do esporte, afinal tudo isto fica muito mais fácil e eficiente se a imagem dos esportistas for elegante e padronizada. Não faz sentido, no entanto, quando se pensa na atual cultura “pé na lama” do enduro, que não deixa de ser original e natural.

Nesta luta entre desenvolvimento do esporte e manutenção de seu espírito original, normalmente o lado do crescimento e da comercialização leva a melhor. Isto não é necessariamente ruim, por mais difícil que seja mudar nossa cultura (e talvez um dia termos que escolher roupas para montar de acordo com um padrão e não com o nosso gosto / conforto), desde que estes objetivos “maiores” sejam atingidos.

15 de setembro de 2009

"É a hora doooo Top5"

Ranking é como bikini: mostra tudo, menos aquilo que você quer ver. Em última instância, nenhuma medida consegue responder satisfatoriamente e ao mesmo tempo às seguintes (e muitas outras) perguntas: como ponderar resultados de diferentes distâncias? O número de concorrentes deve influenciar a pontuação? Campeonatos nacionais devem ser mais valorizados? Eliminações devem diminuir a pontuação de um cavalo ou serem simplesmente ignoradas? Como a pontuação diminui em relação à posição alcançada? Em pontuações de garanhões, a performance destes deve contar ou apenas a de seus filhos? Os resultados de netos e bisnetos devem aumentar a pontuação de um garanhão (ou apenas os resultados de seus filhos devem ser considerados)?

Apesar de todas estes questionamentos pertinentes a qualquer
Ranking, estas medidas tem um grande mérito: resumem milhares de informações em uma só: qual é o melhor cavalo dados determinados critérios. Esta visão simples e direta fornecida por um Ranking é importante para que se discuta, conheça e aprenda sobre as linhagens de nossos cavalos (sempre lembrando as restrições das premissas adotadas). Deste modo, a iniciativa da Associação Brasileira de Criadores do Cavalo Árabe (ABCCA) de calcular o Ranking com todas as provas do Brasil é louvável e seus idealizadores (Ricardo Saliba e Salim Lahud) devem ser parabenizados por toda a comunidade do enduro nacional.

O passo seguinte deve ser o cálculo de outros Rankings, por outras instituições e usando critérios e premissas diferentes. Assim, será possível comparar resultados e, ao entender suas diferenças, compreender melhor as características de cada cavalo e linhagem.

25 de agosto de 2009

Les vraies sportifs

Largada de um campeonato mundial. Cavalos e cavaleiros nervosos. É cada um por si, cada cavaleiro procurando o local onde seu cavalo fica mais confortável. Os demais só atrapalham. De repente, alguém cai e o cavalo segue com os outros, sem o cavaleiro.

Foi isso que aconteceu comigo em Compiègne, e eu imaginei que minha prova tinha acabado, além de temer seriamente pela saúde do meu cavalo. Um cavaleiro no chão é um incapaz: é menor e mais lento do que o cavalo, que nunca vai respeitar qualquer ordem do tipo “Volte Aqui!”.

Felizmente, todos os meus concorrentes, sem exceção, pararam e colocaram ao passo até que eu chegasse a meu cavalo e montasse de novo. Foi a verdadeira atitude de espírito esportivo, daquelas que fazem do enduro um esporte especial e diferente dos demais. Muito obrigado a todos os cavaleiros da prova de 8 anos de Compiègne!

17 de maio de 2009

The self made country

Após a derrota por 1x0 para o Brasil nas oitavas de final da Copa do Mundo de 1994, alguém (não me lembro exatamente quem) ligado à seleção dos EUA afirmou (não exatamente nessas palavras): “Em 10 anos os EUA jogarão de igual pra igual com qualquer time do mundo. Os americanos querem ser os melhores no futebol, e eles sempre conseguem o que querem”.
No enduro, apesar da situação ser diferente (eles foram os melhores, vencendo todos os 7 mundiais de 1986 até 1998),  o discurso (pelo menos aquele com o qual eu tive contato) foi, por muito tempo, similar: “os EUA têm X provas por ano, cada uma com Y participantes e por isso não precisa do resto do mundo ou da FEI. Nada que aconteça fora do país importa”.
Assim como acreditar que nada pode te parar talvez te leve à derrota, acreditar que você é o melhor e que todo o resto não deve ser levado em consideração pode fazer com que você fique para trás. Foi o que aconteceu com os EUA, que perderam completamente o respeito que tinham no cenário internacional, apresentam resultados pífios em competições fora dos EUA há muito tempo e hoje nem são vistos como ameaça pelos demais países.
Tudo isto está prestes a mudar. É o que garantem os americanos. Com a realização do mundial no Kentucky em 2010, Becky Hart (3 vezes campeã do mundo – com o mesmo cavalo) como técnica, Valerie Kanavy viajando o mundo para aprender como se corre hoje em dia e todos humildemente assumindo que terão de mudar algumas coisas, a esperança dos ex-melhores é voltarem a sagrarem-se campeões mundiais.
Acredito que esta mudança de atitude já seja suficiente para que o mundo volte a olhá-los com outros olhos, no entanto na trilha ainda se vê um time pouco competitivo. Tanto no try-out da Malásia quanto no Panamericano do Uruguai (últimas duas vezes que eu os vi correr) os cavaleiros americanos abdicaram da vitória e correram para completar a prova. Ao não se testarem, com certeza voltaram para casa com cavalos mais sãos e mais treinados, no entanto perderam duas oportunidades quase únicas de aprendizado.
E você, acredita na ressurreição americana? Comentem!

PS: não estou discutindo a filosofia "to finish is to win" ou "faço enduro para me divertir e não para colocar meu cavalo em risco", apenas o quanto se consegue ser competitivo ao se fechar.

10 de maio de 2009

Fooled by randomness

Achei muito curioso o questionamento do Carlos Valença a respeito do resultado do Panamericano do Uruguai. Curioso porque ao comparar os acontecimentos com a final da Copa do Mundo de 1998, tornou-se clara toda a arrogância natural a qualquer ser humano.

É difícil aceitar que o desenrolar dos acontecimentos não é aquele que esperávamos. É difícil admitir que toda a análise que se fez antes do evento estava errada (ou excessivamente pretensiosa). E, mais difícil ainda, é reconhecer que as coisas não são previsíveis e previamente determinadas pelas condições iniciais. Assim, quando o resultado é diferente do esperado, todos correm a criar teorias para trazer o inesperado de volta ao campo dos fatos explicáveis. Esta busca por respostas não é necessariamente ruim, na verdade é muito boa e extremamente importante na medida em que essas teorias podem nos ajudar a, de fato, compreender o que aconteceu e a desenvolver nosso conhecimento a respeito do assunto. No entanto, quando essas teorias não são testáveis (como a maioria das que surge nesses momentos) terminam por criar verdades absolutas e impedir que se avance nas questões e que se evite os mesmos erros no futuro.

Segundo esta lógica de que “tudo tem uma razão”, se o jogador erra um pênalti na final é porque ele amarelou; se marca um gol nos acréscimos é porque cresce nas decisões; se o cavalo tem flutter é porque o cavaleiro passou seu nervosismo para ele; e se o Brasil leva o que tem de melhor pro Uruguai e volta sem nenhuma medalha é porque alguma coisa obscura aconteceu. Dado que não temos como saber se essas teorias são verdadeiras ou não, o melhor a fazer é ignorá-las, já que não nos ajudarão a evoluir como esportistas. O caminho é se concentrar naquilo que pode aumentar nosso conhecimento, admitir que não sabemos tudo e aceitar que há muita coisa para as quais nunca teremos a explicação completa, incluindo aí o acaso.

Quanto à prova posso dizer que me orgulho de ter feito parte de um grupo de mais de 50 pessoas completamente diferentes que, mesmo num ambiente extremamente competitivo, não tiveram nenhum problema de relacionamento (com grande ajuda do Olavo, Henrique e Guilherme – há que se ressaltar) e que se o resultado não foi positivo como esperávamos, não foi por problemas obscuros ou de ordem pessoal, mas sim porque tentamos vencer e não conseguimos.
Que cometemos erros é óbvio (assim como o fizemos em provas nas quais saímos vitoriosos, como Bahrain, Pinamar e Campinas) e da minha parte posso destacar ter deixado de me questionar se não havia como ser campeão sem estar na ponta todo o tempo. Ainda assim, prefiro cometer este erro e aprender do que não tentar ganhar, terminar a prova sem nunca ter tido chance a nada e continuar estático, com o mesmo conhecimento e visão que tinha antes da largada.

2 de março de 2009

Sobre o tratamento dado aos novatos

É engraçado como algumas alegações ganham status de verdade sem nunca terem sido testadas ou se quer discutidas. No enduro há alguns exemplos, mas o mais infundado, ao meu ver, é o de que “o novato é deixado de lado” e que isso levaria a um esporte “com a pirâmide invertida” (com mais praticantes de alto nível do que de nível médio ou baixo) condenando-o à diminuição e, quem sabe, à extinção.

Em relação à pirâmide de usuários, não me parece o caso, dado que normalmente as provas menores têm mais inscrições e com gente mais diversificada - na longa distância são sempre as mesmas pessoas em todas as provas. De qualquer maneira, uma análise mais aprofundada seria muito interessante.

No entanto, é a causa desta “inversão piramidal” – a negligência com novatos – que é o ponto mais fraco da linha de raciocínio. A importância que se dá aos iniciantes não é baixa, nem na teoria, nem na prática. No aspecto teórico basta observar as reuniões dos dirigentes do esporte: sempre há discussões acaloradas sobre como melhor atender aqueles que estão começando ou que praticam enduro apenas por diversão. Me parece ser o assunto mais discutido entre aqueles que tomam decisões, com revisões todas as temporadas, estatísticas de inscrições, etc. Esta preocupação transcende a teoria e se manifesta na prática: as provas com até 80kms são aquelas que contam com o maior número de categorias. Assim, o novato que desejar fazer prova de placas terá uma categoria para si (outra para o filho e uma terceira para a mulher), bem como aquele que prefere o regulamento de batimentos ou o terceiro, que quer fazer velocidade livre.

Se há descontentamento destes (e eu não tenho certeza que haja), se dá por um, ou por uma mistura, dos seguintes motivos: (I) os dirigentes, apesar de bem intencionados, não estão sabendo ouvir os principiantes; (II) os novatos, por se envolverem pouco, estão longe das discussões sobre calendário, regulamentos, preço de inscrição, taxas, etc e terminam vendo as decisões como imposições descabidas, uma vez que não existe um canal de comunicação entre a classe dirigente e aqueles que praticam o esporte de uma maneira menos intensa. Em qualquer um dos casos, o problema não é falta de interesse pelo fomento.

14 de fevereiro de 2009

Um aspecto negligenciado

Quando a comissão veterinária da CBH criou regras para a classificação (e desclassificação) de cavalos e cavaleiros, pensei que tivessem resolvendo um problema que não existia (especialmente no Brasil). Recentemente, depois da publicação pela FEI, percebi que o impacto do regulamento – que com a força da FEI provavelmente terá que ser, de algum modo, seguido – é muito mais profundo. A FEI não está apenas resolvendo um problema que não existe, ela está criando um problema em potencial.

Ao estabelecer de modo objetivo o que um cavalo pode e não pode fazer – independente da sensatez ou inteligência das regras – a FEI tira a responsabilidade de cavaleiros, treinadores e veterinários. Se antes estes tinham de se preocupar em estar fazendo a coisa certa, agora podem fechar os olhos e seguir o caminho sugerido pelo órgão máximo do esporte. Se antes todos se perguntavam “Quem é o irresponsável que fez isto?” ao se depararem com algo maléfico para o animal, a pergunta agora será “Este cavalo estava classificado pelas novas regras?”

Por mais que pareça natural, e até mesmo óbvio, questionar um planejamento de carreira feito por alguém que nunca viu seu cavalo, não sabe como você monta, no que você acredita e – agora o maior absurdo das novas regras – provavelmente não faz idéia de como uma prova no Brasil é diferente de uma européia ou árabe, será difícil desafiar o padrão estabelecido e fazer uma 3ª prova de 60kms ao invés de uma de 80kms (ou uma de 38kms que “não serve mais pra nada” ao invés de uma de 58kms).

É claro que a FEI acredita que impor limites aos cavaleiros não pode aumentar o risco a que estes submetem seus cavalos, no entanto nenhum legislador pode se esquivar dos efeitos colaterais e adaptações que surgem a suas normas.